O LUGAR DO AMOR

Voltamos sempre ao local do crime e ao lugar
do amor: um lugar quente que nos acolhe pela vida
fora, pela vida dentro, queremos voltar: a cozinha
do tamanho da casa, o fogão crepitava como
lareira acesa todo o dia, a mesa ao centro e nós
à volta correndo, aceitando o que nos davam,
apanhando o que queríamos. Ah, os risos na cozinha,
as vozes atarefadas, os braços das mulheres os filhos
pequenos que andavam por ali, os filhos dos outros
que entravam porque estava quente, havia comida
e as brincadeiras eram uma carícia nas suas vidas:
todos nos criávamos por ali, a cozinha criava-nos,
um avental limpava-nos as mãos, a azáfama
aquecia a alma, as correrias coravam-nos as faces
e de nada tínhamos fome. Era um bulício
que durava até à noite, a noite das mulheres acesas
até altas horas. Dormíamos no doce afago dos pais,
os outros onde a vida deixa. Amassava-se o pão
no nosso sono. Todos nos criámos por ali: a cozinha
era o lugar do amor: amassar o pão com a poesia.

BRANCO, Rosa Alice. (2002). "Soletrar o dia". In Obra Poética.

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