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A mostrar mensagens de julho 29, 2018

Do sentimento trágico da vida

Homo sum; nihil humani a me alienum puto, disse o cómico latino. E eu diria melhor: nullum hominem alienum puto ("Sou homem; nenhum outro homem me é estranho"). Porque o adjectivo humanus me é tão suspeito como o seu substantivo abstracto humanitas, a humanidade. Nem o humano nem a humanidade, nem o adjectivo simples, nem o adjectivo substantivado, será o substantivo concreto; o homem. O homem de carne e osso, o que nasce, sofre e morre sobretudo morre; o que come e bebe e joga e dorme e pensa e quer, o homem que se vê e a quem se ouve, o irmão, o verdadeiro irmão. Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida , trad. de S. Stacey.

"A Memória"

São raros aqueles que teimam em viver, sob a excomunhão do Maior Número, que os crisma de malucos, poetas, criminosos, mágicos! Mas que admirável espectáculo, o do homem que vive, até à hora da sua morte! Eu vos abençoo, malucos, lunáticos, mágicos, criminosos, poetas! E os que saem para a rua, sem chapéu, por divino esquecimento! E os que vão a falar só, pelos caminhos... e os que olham a lua, latindo intimamente... e os que se não conformam, os que não seguem a lei e o costume, todas as criaturas onde o campo o anjo da infância sobrevive. Teixeira de Pascoaes, Verbo  Escuro , "A Memória", Assírio & Alvim.

Gaia Ciência

E se um dia ou uma noite um demónio se esgueirasse na tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la mais uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência..." Como não atirar-te ao chão, rangendo os dentes e amaldiçoando o demónio que assim te falou? Ou já alguma vez experimentaste aquele formidável momento em que lhe terias respondido: "És um deus, e nunca ouvi algo mais divino"... Como te terias tornado tão bem disposto perante ti mesmo e a vida para chegar a não desejar alguma coisa mais ardentemente que este supremo desígnio e esta confirmação eterna? F. Nietzsche, Gaia Ciência , IV, 341, trad. de António Marques, Relógio d'Água.

La Dolce Vita

Frequentemente, pela noite, a escuridão e o silêncio caiem sobre mim. A paz assusta-me. É a ela que temo, talvez acima de tudo. Sinto-a como simples máscara, cobrindo a face do inferno. Medito no que o futuro reserva aos meus filhos: "O Mundo será maravilhoso", dizem. Do ponto de vista de quem? Somos forçados a viver num estado de suspensão, como obras de arte; num estado de encantamento... distanciados. Distanciados. Frederico Fellini, La Dolce Vita , trad. S. Rafael.