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A mostrar mensagens de julho 22, 2018

Odes

Não só quem nos rodeia ou nos inveja Nos limita e oprime; quem nos ama            Não menos nos limita. Que os deuses me concedam que, despido De afectos, tenha a fria liberdade           Dos píncaros sem nada. Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada É livre; quem não tem, e não deseja,           Homem, é igual aos deuses. Ricardo Reis, Odes , Clássica Editora.

De Profundis

Não há na mesma alma lugar para as duas paixões. Não podem as duas morar na casa finalmente esculpida. O amor tem na fantasia o seu sustento. É através dela que nos tornamos mais sábios que aquilo que julgamos, melhores que aquilo que supomos, mais nobres que aquilo que somos. É através dela que a vida é compreendida inteira. É através dela, e só através dela, que os outros são pensáveis nas suas ligações reais assim como nas suas ligações ideais. Só o que é belo e delicadamente concebido satisfaz o amor. Ao ódio, porém, qualquer coisa engorda. Oscar Wilde, De Profundis , Trad. de Alfred Stacey, Relógio d'Água.

O mito de Sísifo

Posso refutar tudo neste mundo que me rodeia, me fere ou me transporta, excepto este caos, este acaso rei e esta divina equivalência que nasce da anarquia. Não sei se este mundo tem um sentido que o ultrapassa. Mas sei que não conheço esse sentido e que me é impossível, neste momento, conhecê-lo. Que significa para mim significação fora da minha condição? Não posso compreender senão em termos humanos. O que toco, o que me resiste, eis o que compreendo. E estas duas certezas, a minha fome de absoluto e de unidade e a irredutibilidade deste mundo a um princípio racional e razoável, sei também que não as poderia conciliar. Que outra verdade poderia eu reconhecer sem mentir, sem fazer intervir uma esperança que não tenho e que nada significa nos limites da minha condição? Albert Camus, O mito de Sísifo , trad. de M. Vieira, Livros do Brasil.

A Náusea

O essencial é a contingência. Quero dizer que, por definição, a existência não é a necessidade. Existir é estar presente, simplesmente; os existentes aparecem, deixam que os encontremos, mas nunca se podem deduzir. Há pessoas, creio eu, que perceberam isto. Somente, tentaram dominar essa contingência inventando um ser necessário e causa de si próprio. Ora, nenhum ser necessário pode explicar a existência: a contingência não é uma ilusão de óptica, uma aparência que se possa dissipar; é o absoluto, por conseguinte a gratuitidade perfeita. Tudo é gratuito. Este jardim, esta cidade e eu mesmo. Jean Paul-Sartre, A Náusea , trad. de A. Coimbra Martins, Publicações Europa-América.

Gravidade e Graça

O tempo, propriamente dito, não existe (excepto o presente como limite), e, no entanto, estamos submetidos a ele. É esta a nossa condição. Estamos submetidos ao que não existe. Quer se trate da duração passivamente sofrida dor física, esperança, desgosto, remorso, medo, quer do tempo organizado ordem, método, necessidade, nos dois casos, aquilo a que estamos submetidos, não existe. Estamos, realmente, presos por correntes irreais. O tempo, irreal, cobre todas as coisas e até nós mesmos, de irrealidade. Simone Weil, Gravidade e Graça , Ed. Martins Fontes.

Cartas a Lucílio

O que tens a fazer antes de mais, caro Lucílio, é aprender a ser alegre. Estás a pensar que eu te quero privar de muitos prazeres ao afastar de ti os bens fortuitos, ao entender que devemos subtrair-nos ao doce canto das sereias que é a esperança? Pelo contrário, o meu desejo é que nunca te falte a alegria. O meu desejo é que a alegria habite sempre em tua casa; e fá-lo-á, se começar a habitar dentro de ti. Os outros tipos de alegria não satisfazem a alma; desanuviam o rosto, mas são superficiais. A menos que entendas que estar alegre é estar a rir! Não, a alma deve estar desperta, confiante, acima das contingências. Acredita-me, a verdadeira alegria é uma coisa muito séria. Séneca, Cartas a Lucílio , III; 23; 3-4, trad. de J. A. Segurado e Campos, Fund. Calouste Gulbenkian.