“Sátira” contra as mulheres, de Semónides de Amorgos


SEMÓNIDES DE AMORGOS
“Sátira” contra as mulheres

TRADUÇÃO

F. Rebelo Gonçalves


No princípio, fez Deus de várias naturezas o carácter das mulheres.
Uma mulher nasceu da porca de longas sedas. É aquela que tem uma casa onde só há lama e desordem; onde tudo se espalha no chão; onde ela própria engorda entre monturos, imunda de corpo e de vestuário.

Outra mulher teve origem na raposa velhaca. Mestra na astúcia, nada ignora do bem ou do mal. E é capaz de louvar e criticar as mesmas coisas, assim se distinguindo por gênio versátil.
Outra, ainda, foi gerada da cadela. E por isso lhe cabe – tal mãe, tal filha – a arte da ligeireza. Tudo quer ouvir e saber; a tudo lança olhares inquietos; anda sempre dum lado para outro; grita constantemente, até quando não vê ninguém. Nem o marido, com ameaças, logrará amansá-la, embora, irritado, lhe parta os dentes à pedrada. E tão pouco a amansará com branduras, embora esteja ao pé de estranhos. Jamais põe termo à vã gritaria.
E que dizer destoutra mulher? – Que os deuses do Olimpo, formando-a da terra, ao marido a deram como um ente embrutecido, que nem sequer compreende o mal e o bem. Só sabe comer. E pode vir um mau inverno, que, apesar do frio, ela não tem ânimo de se arrastar num banco para a lareira...
Aquela nasceu do mar. No seu espírito há sempre dois pensamentos. Passa um dia a rir, a folgar, dando ensejo a que um estranho, ao vê-la em casa, lhe diga como elogio: “Não há em todo o mundo mulher mais excelente, mais bela do que esta.” Mas logo ao outro dia, já não tem, por insuportável, quem de bom grado a olhe ou se lho aproxime; cheia de cólera, mostra-se inacessível qual cadela em redor dos filhos; e torna-se, com sua rudeza, desagradável a quem quer que seja. Numa palavra: assim como, no estio, muitas vezes o mar está calmo e inofensivo, para alegria dos marinheiros, e, pelo contrário, muitas outras vezes se embravece, agitado por ondas do grande fragor, assim tal mulher é inconstante, fazendo que o próprio marido se não acomode à sua índole.
Também da burra de cor plúmblea, vítima de maus tratos, descendeu uma mulher: a que, por necessidade e à força de ameaças, todos os trabalhos faz, embora a custo, tranqüilamente os suporta. Come, noite e dia, ora num esconso, ora à lareira. E não hesita em fazer seu amante o primeiro que a convide para os prazeres sensuais.
Por seu lado, a mulher da raça da doninha é funesta e miserável. Não possui qualquer beleza ou atrativo, qualquer encanto ou graça. Sôfrega da luxúria, causa nojo ao homem que lhe esteja próximo. Rouba e faz grande mal aos vizinhos. Além disso, quantas e quantas vezes devora vítimas que não foram aceites em sacrifício!
E aquela? – Provém da égua elegante, de longa crina, e recusa-se aos trabalhos servis, às tribulações. Não se dá ao incômodo de tocar na mó do moinho, de pegar na joeira, ou de varrer a casa. Evita estar junto do forno, para se livrar da fuligem.

E só faz por atrair a estima do marido quando a isso se vê forçada. Entretanto, chega a lavar-se duas vezes, quando não três, por dia, perfuma-se, e traz sempre penteada a longa e majestosa cabeleira. Sendo, pois, belo objeto de admiração para os outros homens, esta mulher só serve de desgraça ao marido: exceto se ele for um grande senhor, ou um rei, e até se orgulhar de tais predicados...
Da macaca, mais uma mulher fez Zeus, aos homens a dando como o pior dos infortúnios. Feiíssima de rosto, provoca, ao andar pela cidade, o riso de toda a gente. O seu pescoço é curto. Com dificuldade se move. Faltam-lhe as nádegas. Só tem pele sobre os ossos. Ai! infeliz do homem que nos braços tomar semelhante estafermo! Depois, é maliciosa em todos os pensamentos, e bem assim nas atitudes, à maneira dos símios, não lhe importando a zombaria. Nunca presta um benefício. Pelo contrário, fixa a sua atenção num propósito, e chega a meditar, um dia inteiro, no melhor modo de o tornar nocivo.
Finalmente, há a mulher da raça da abelha. Esta dá felicidade ao marido, e é a única não merecedora de censuras. A vida, sob a sua influência, de todo floresce e se avigora. Afeiçoada ao companheiro, que a ama, ao lado dele envelhece, produzindo bela geração de nome ilustre. Sobressai a todas as mulheres, envolta em graça divina. E, para mais, até nem gosta de reunir-se com outras, quando elas se entregam a conversas livres.
Vê-se, pois, que Zeus concedeu aos homens as mulheres desta natureza como as melhores e mais sensatas. Mas as outras, essas, por invenção do mesmo deus, são para eles flagelo eterno.
Zeus mal imenso fez com as mulheres. A tal ponto que ainda ao parecerem úteis aos maridos lhes dão desgraça.
Não pode o homem que vive com uma mulher ser feliz um só dia. Assim como não terá forças para repelir do lar a fome, essa inimiga que o não desampara, divindade malévola! E é sobretudo quando ele, na própria casa, mostra estar contente, por graça divina ou por favor dos homens, que a mulher, com censuras, o incita a discussões.
Além disso, em casa onde haja uma mulher, nunca se deve, de boa vontade, receber um estranho. Porque até a mui correta na aparência não deixa, em cortas ocasiões, de ser injuriosa. E, ao ficar o marido boquiaberto de espanto, rirão de mias um se ter iludido...
Não é raro, porém, que cada homem louve a sua mulher e critique as dos outros. Pobres de nós, que assim ignoramos o destino comum!
Repito: foi Zens o autor de tão grande mal. E desde que, um dia, morreram homens que uma mulher lançara em luta, rodeou esse mal de estorvos sem fim.


VIDE: T BergkLyrici Graeci de Poetae; edições separadas perto (1835), e especial por P Malusa (1900), com introdução, bibliografia e comentário.

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