Eurídice

Agora,
são as Fúrias
que me dilaceram.
O que de ti me deram
os deuses infernais,
não era teu.
Sombra de um sonho que já não vivias,
em vez de iluminar, enegrecias
o caminho de Orfeu.

E fitei-te nos olhos, luzes mortas.

Caronte abrira as portas
da minha perdição.
Todos os condenados,
libertados
no momento supremo do meu canto,
regressavam ao pranto                                        
da condenação.

E eu próprio ia arrastar

a minha pedra de desassossego.
E eu próprio ia ter sede
e fome, eternamente.
Eu próprio recebia,
no espírito e na carne,
o beijo enraivecido
das Iras,
que não perdoam a nenhum mortal
as divinas mentiras 
que o amor desmascara, por seu mal.

Miguel Torga, Orfeu Rebelde (pp.62-63)

Imagem: Camille Corot. (1861). Orfeu Guiando Eurídice desde os Infernos (http://www.taller54.com/orfeo.htm)

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